Trilhas subcutâneas
Passava por aquele bosque todos os dias
e nem reparava nas árvores
que se mutavam com o tempo.
Nem no cheiro de cada estação.
O passo obedecia sempre o mesmo ritmo,
enquanto outros seres revezavam na ocupação
do espaço ao redor.
Nem percebia.
Percorria a mesma trilha todos os dias.
Tinha certo o ponto de partida e o de chegada.
Era o mesmo ponto.
Acordava as 6, saía as 8, voltava as 7, dormia as 10.
Não notava o abismo dos lagos,
a vulnerabilidade das pedras,
a força do vento que desconstrói o que está posto.
Achava bobagem essa coisa de alma.
Passava por aquele bosque todos os dias,
mesmo sem vida.
Do que se sustenta um corpo que vaga?
Não se tem registro exato
do momento em que ela se viu
sem hora para acordar, sair, voltar, dormir.
Não se sabe o dia em que ela
não buscava mais partir.
Foi se arrastando que ela começou
a habitar a sua sala de estar.
Tocou sua própria pele como
se tocasse uma água
muito quente ou muito fria.
Teve medo, recuou, mas tocou.
Sentiu.
E então pode se tomar
por um espanto ao ver o reflexo do lago,
a potência da pedra,
a inconstância do vento,
seus cheiros,
a árvore tomando espaço ali dentro.
O olhar atento aos detalhes
de um ser ou outro que se aproximava.
Apalpava a bobagem da alma
enquanto conquistava o seu próprio corpo estranho.
O pé descalço
andava sem trilho
agora
somente
por onde ela quisesse (sent)ir.
*Narrativa Sensorial, escrita por Claudia Naoum (@claudiana1) inspirada no projeto fotográfico ‘ATLAS’ de Israel Ariño (@israelarino).).
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