28 de julho de 2020

Narrativa Sensorial

Atlas Israel Arino 30

Trilhas subcutâneas

Passava por aquele bosque todos os dias

e nem reparava nas árvores

que se mutavam com o tempo.

Nem no cheiro de cada estação.

O passo obedecia sempre o mesmo ritmo,

enquanto outros seres revezavam na ocupação

do espaço ao redor.

Nem percebia.

Percorria a mesma trilha todos os dias.

Tinha certo o ponto de partida e o de chegada.

Era o mesmo ponto.

Acordava as 6, saía as 8, voltava as 7, dormia as 10.

Não notava o abismo dos lagos,

a vulnerabilidade das pedras,

a força do vento que desconstrói o que está posto.

Achava bobagem essa coisa de alma.

 

Passava por aquele bosque todos os dias,

mesmo sem vida.

Do que se sustenta um corpo que vaga?

 

Não se tem registro exato

do momento em que ela se viu

sem hora para acordar, sair, voltar, dormir.

Não se sabe o dia em que ela

não buscava mais partir.

Foi se arrastando que ela começou

a habitar a sua sala de estar.

Tocou sua própria pele como

se tocasse uma água

muito quente ou muito fria.

Teve medo, recuou, mas tocou.

Sentiu.

E então pode se tomar

por um espanto ao ver o reflexo do lago,

a potência da pedra,

a inconstância do vento,

seus cheiros,

a árvore tomando espaço ali dentro.

O olhar atento aos detalhes

de um ser ou outro que se aproximava.

Apalpava a bobagem da alma

enquanto conquistava o seu próprio corpo estranho.

 

O pé descalço

andava sem trilho

agora

somente

por onde ela quisesse (sent)ir.

*Narrativa Sensorial, escrita por Claudia Naoum (@claudiana1) inspirada no projeto fotográfico ‘ATLAS’ de Israel Ariño (@israelarino).).

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