Cresci assistindo a filmes de Joe Dante.
Imagino que qualquer neófito justificará seu comportamento utilizando como argumento a infância que teve.
Literatura de ficção científica, comics e cinema, sobretudo, influenciaram a maneira de imaginar o futuro de muitas gerações. Para mim, é inevitável fazer piadas sobre o que os Gremlins causaram nos anos 80.
Na primeira cena, Randall (o pai do protagonista Billy), decide passar em uma loja de souvenirs para comprar uma lembrança da China, antes de voltar pra casa para a festa de Natal. É aí que ele encontra nosso adorável Gizmo, escondido em uma caixa.
Ao longo da história, muitas filias foram retratadas, cada uma contemporânea a sua época. Foi durante as décadas posteriores à 2a Guerra Mundial, que o avanço tecnológico começa a deslanchar de uma forma exponencial. E é nesse contexto que Christopher Booker** cunha o termo neófitos para referir-se às “gerações pop”, ligadas ao mundo da arte e da tecnologia, e que passaram a liderar a nova sociedade em que a Grã Bretanha se transformou.
O autor põe na mesa suas dúvidas a respeito da mudança de paradigma que pressupõe que os gurus da nova era são os tecnocratas e não mais os filósofos, humanistas ou políticos.
Há, sem dúvida, uma mudança de tendência na liderança mundial, transferindo-se para as mãos dos ideólogos das transformações. Primeiramente, uma mudança social (Nelson Mandela, Martin Luther King) e depois, tecnológica (Steve Jobs, Bill Gates, Mark Zuckerberg).
É a partir do atual momento tecnológico que recuperamos os neófilos de Booker, para catalogar um novo rol de comportamentos, que surgiram a partir da união da tecnologia com o consumismo. Desprendido de qualquer misticismo, o termo passa a ser um modelo de comportamento para os viciados em novas tecnologias, ávidos consumidores das últimas novidades.
“Espero ansioso por novos processos e novos desenvolvimentos. Acredito que a imagem eletrônica será o próximo grande avanço. Estes sistemas terão características estruturais incríveis, e tanto os artistas como os técnicos deverão fazer um grande esforço para compreendê-los e controlá-los.”
Ansel Adams*
As palavras de Ansel Adams tomaram forma no final do século passado, quando se tornou possível transformar a luz em impulsos eletromagnéticos que gerassem uma combinação binária capaz de ser traduzida em uma imagem digital. Vivemos por duas décadas de evolução tecnológica até que o digital fosse capaz de superar, na maioria dos aspectos, o analógico.
E então, chegou o iPhone (2007).
Desde o surgimento da fotografia digital, é cada vez mais raro vermos cópias impressas das capturas, nós nos dedicamos unicamente a olhá-las em uma tela. Com esses níveis de exigência em resolução, para o grande público perdeu-se o sentido de se ter uma câmera (compacta) já que, além de poder fotografar com um celular, é possível carregar as fotos consigo e compartilhar esse momento de forma imediata, usando a rede social.
Jellybean, IFA Berlin, Oculus, CES Las Vegas, OK Glass, Photokina, Marshmallow, DualPixel.1
Não deixo de ler, ver, escutar as pessoas teorizando sobre com quais tecnologias futuras vamos nos deparar. Não consigo evitar tentar seguir blogs, gurus, geeks, freaks para ficar por dentro do que as grandes empresas estão preparando para surpreender seus fiéis usuários.
Como em Matrix**, me sinto igual a Neo perante a Morfeo.
Eu deveria tomar o comprimido azul e voltar atrás?
Não posso evitar, continuo seguindo pela estrada de tijolos amarelos. Escolho o comprimido vermelho.
Ser um neófito implica trancafiar-se em suas obsessões, investigar, pesquisar. Adorar o seu dealer tecnológico acima de todas as coisas. Sentir-se às margens de uma sociedade que segue tendências, enquanto você tenta ir adiante com todas elas. É uma necessidade de fazer parte de algo maior, de buscar aceitação entre pessoas que nem mesmo conhecemos.
Apesar de ter conscência do risco que significaria a posse de Gizmo, Randall sabe que tem nas mãos algo único.
Desde que as redes sociais nos alienaram, estamos em um busca interminável pelas hiper-relações. Sempre conectados com nosso entorno, muitas vezes irreal, para manter uma comunicação constante. Aplicativos como o Instagram têm ajudado a levar a fotografia a novos conceitos de relação entre artista e público, e também possibilitaram a interação do amador com o mundo profissional.
#nofilter, crop, hashtag, #streetphotography, followers, foodies, cloudporn, HDR.2
Esse público me pergunta, muitas vezes, como fazer melhores fotografias para sua rede social, como diferenciar sua imagem da maioria. O círculo vicioso do produto é o que marca a diferença.
A IMPOSSIBLE adquiriu a última fábrica da POLAROID assim que foi anunciado o fim de sua produção de foto insantânea, por volta 2008. Em maio de 2016 lançaram uma nova câmera (IMPOSSIBLE i-1).
Teria sido possível essa sobrevivência sem o boom dos aplicativos que levaram essa estética para nossos dispositivos móveis?
“A inovação distingue os líderes de seus seguidores.”
Steve Jobs*
Estamos vivendo um tempo em que a tecnologia avança no campo das interconexões: drones, realidade virtual, tatuagens conectadas. Tudo gira em torno do aparelho celular. Tudo nos convida a compartilhar nossa experiência de uso na rede social, em tempo real, ao vivo.
É também na rede social onde muitos projetos, tanto tecnológicos, como artísticos, estão encontrando meios de financiamento e promoção. Micro-patrocínios, crowdfunding, iAd, AroundMe, googleAds, etc.
Unboxing, tutorial, periscope, one more thing, mentions, kickstarter, boomerang, grafeno. Parece inevitável estar às margens do mundo hipertecnológico que nos rodeia.
Ao fim, chega o dia da apresentação.
Parece a versão anterior, mas não muito.
Lançamento em duas semanas.
Benchmarks.
Tenho o dinheiro.
Faltam dois dias.
Dormir na rua.
Segundo na fila.
Evento na loja.
Aplausos.
Quero apenas fazer parte disso.
(**) “Gremlins” (Joe Dante, 1984)
“The neophiliacs: A study of the revolution in English life in the fifties and sixties.” (C. Booker, 1969).
“Matrix” (Lana & Lilly Wachowski, 1999).
(*) Ansel Adams, 1983.
Steve Jobs, “The Innovation Secrets of Steve Jobs,” (Carmine Gallo, 2001).
Glosario 1
Jellybean: como é conhecida a versão de Android 4.3.
IFA Berlin: feira da tecnologia anual celebrada em Berlim (setembro).
Oculus: capacete de realidade virtual.
CES Las Vegas: feira de tecnologia anual celebrada em Las Vegas (janeiro).
OK Glass: comando de ativação por voz para o GoogleGlass.
Photokina: feira bienal de fotografia e vídeo celebrada na Alemanha.
Marshmallow: versão de Android 6.0.
Dual Pixel: tecnologia de autofoco da Canon.
Glosario 2
#nofilter: hashtag que indica fotografias indexadas sem aplicação de filtros/retoques.
Crop: recorte de imagens: o Instagram reinstaurou o formato quadrado inicial.
Hashtag: etiqueta que se utiliza para indexar nas buscas, colocada depois de #.
#streetphotography: fotografia de rua, muito em alta desde a aparição do Instagram e dos mirrorless.
Followers: seguidores. Tanto no Twitter, Instagram ou tumblr, assim é chamado seu círculo.
Foodies: especialistas em fotografia de comida.
Cloudporn: céus cheios de nuvens, entardecer mágico.
HDR – High Dinamic Range: técnica fotográfica que combina 3 fotos em 1. Começa a ser aplicado em vídeo.
Glossário 3
Unboxing: vídeos de como desempacotar produtos tecnológicos. Todo um gênero no Youtube.
Tutorial: videos de explicação de como funciona um produto, software, etc.
Periscope: plataforma de vídeos ao vivo através do Twitter.
One more thing: famosa frase em apresentações de Steve Jobs na Apple.
Mentions: plataforma de vídeos ao vivo para o Facebook.
Kickstarter: web dedicada ao crowdfunding.
Boomerang: extenção do Instagram para gerar GIFs.
Grafeno: o material do futuro. Chips, cristais, baterias…
Benchmarks: comparativa de rendimento de um produto em relação a outro.