11 de novembro de 2020

Identity Placement, a nova fotografia de moda

Identity Placement

Se pensarmos de maneira prática, a fotografia de moda deveria cumprir, pelo menos, com um objetivo: mostrar um produto, esse termo indispensável que é o Product Placement e, no caso das campanhas de moda de estilistas e de casas de alto padrão, que normalmente primam por uma ficção construída ao redor da ideia de luxo e exclusividade.

As fotografias de Glen Luchford para a atual coleção Primavera-Verão da Gucci servem como emblema da maneira como deveria estar construída uma campanha de moda de uma marca que, com certeza, ocupa um lugar específico no imaginário do consumidor, a opulência. Característica que encontramos de sobra nessa temporada Primavera-Verão, a reunião das maiores supermodelos dos anos 90 na campanha de Balmain sob a lente de Steve Klein, as vivazes fotografias de Steve Meisel para Moschino encabeçada pela hiper famosa Joan Smalls.

Claro que existem imagens que mantém a ideia de aparente inovação e que destacam-se no meio de tanto desperdício. Valeria destacar a audaz decisão de Nicolas Ghesquière, diretor da Louis Vuitton, de incluir Jaden Smith, filho do famoso ator Will Smith, como estrela das fotografias para a linha feminine, ou a escolha de Marc Jacobs de continuar construindo as campanhas de sua marca ao redor de personalidades, mais do que de modelos, tal como fez no ano passado, incluindo personalidades como Kim Gordon, da banda Sonic Youth, junto com sua filha Coco e o artista John Currin, ao lado de sua esposa Rachel Feinstein, fazendo com que as fotografias cumpram um sentido familiar, trata-se das pessoas vestindo as peças do vestuário e suas relações pessoais com Jacobs, David Sims, como fotógrafo, faz com que as fotografias permitam que as personalidades assumam uma posição central na composição.

Este ano não foi diferente para a coleção Primavera-Verão, Jacobs segue trabalhando com o fotógrafo David Sims e escolheu fotografar a cantora de Gossip Beth Ditto juntamente com sua esposa Kristin Ogata e a diretora Lana Wachowski, dentre os outros personagens e modelos conhecidos.

A principal notoriedade das campanhas centradas em pessoas e o que representam é algo que estabelece uma maneira diferente de pensar as marcas e é o que deixa de tratar de modelos quase anônimas, e é claro que devemos ressaltar que muitas modelos são, hoje em dia, celebridades à altura dos atores hollywoodianos que tem sido sempre o ápice do que a fama representa.

Tudo isso pode representar uma maneira diferente de pensar a fotografia de moda, porém, em essência, a maneira como ela se vê continua intacta, se excluirmos o fato de que é um menino que modela uma roupa feminina, não existe algo que faça da campanha de Louis Vuitton algo inovador, e tão pouco poderíamos dizer isso no caso das campanhas de Marc Jacobs.

Se pensarmos na fotografia de moda como fotografia autoral, os que poderiam estabelecer novos códigos seriam, assim, os fotógrafos, porém, a questão é que não se pode esquecer que este tipo de fotografia deve cumprir ao menos um objetivo, o que citamos no começo desse texto, a ideia de ‘Product Placement’, ou seja, encontrar estratégias para que primeiro o produto ou a experiência seja promovida, por tanto não poderíamos tratar de fotografia autoral no estado puro porque não existem garantias de que o ímpeto do autor coincida com os desejos da marca. Ainda que, a este respeito, Tomas Maier, diretor da casa de moda Bottega Veneta, discutiria em defesa da possibilidade de uma fotografia autoral dentro dos limites das campanhas publicitárias de moda.

Nan Goldin foi a fotógrafa para a marca em 2010. O resultado da colaboração parece destacar o melhor de Goldin, claramente limitado dentro de uma marca de moda e também os desejos da marca de incluir nomes fortes para suas fotografias.

Tomas Maier continuou buscando artistas para fotografar suas coleções, dentre eles destacam-se os fotógrafos Erwin Olaf Prager, Pieter Hugo e o pintor e escultor Robert Longo. No final, os resultados não são surpreendentes nem transgressores, seguem sendo fotografias que apresentam algo específico e essas especificidades são as roupas. O que não se pode duvidar, é que estas escolhas correspondem ao gosto de Maier pela arte, não apenas como espectador, mas também como ávido colecionista.

No que diz respeito a um possível novo editorial de moda, parece que sempre prevalecerá o cumprimento dos objetivos mencionados, ou seja, mostrar o produto, há muitas formas e estilo, mas no final parece que ignorar esta disposição não é algo possível.

Talvez Nan Goldin tenha a última palavra com sua atrevida proposta para Primavera-Verao de McQ, marca irmã da Alexander McQueen. O que faz dessas fotografias uma verdadeira novidade é que, transcendendo a ideia de Tomas Maier explorada com Bottega Veneta, aqui não se trata de buscar artistas para retratar roupas, no caso de McQ, trata-se de buscar um autor para que faça o que faz de melhor, deixando de lado o suposto objetivo da fotografia de moda, aqui as roupas não formam parte primordial do produto final.

Quem protagoniza a produção das fotos é Nan Goldin, é ela quem escolhe a maneira de apresentar a McQ, marca bastante nova, estabelecida em 2006 como uma linha mais voltada ao consumidor jovem, com custos reduzidos.

A fotografia destaca em sua sessão seu território e sua empatia com certos modelos. Não há dúvidas de que as conexões humanas são nota mais alta nos trabalhos de Nan Goldin, uma figura mítica cuja base são fotografias com um caráter humano tão cru e direto que as vezes intimida, e aí está: o contraste entre as imagens construídas por Goldin para Bottega Veneta e as tiradas para McQ, funcionam como uma comparação exemplar, falando da mesma fotógrafa porém de duas maneiras diferentes de proceder, uma responde a certos requerimentos que poderiam considerar-se básicos na hora de fazer fotografia de moda, e no segundo caso, as imagens poderiam se deixar evoluir de seu trabalho para exibir as roupas, porém o que não se pode negar nessa campanha é a estratégia de recorrer a fotografia de autor como forma de construção de identidade. Não seria a hora de pensar em Identity Placement no lugar de Product Placement?

Sobre a autora: SARA MEJÍA - Nasci e moro em Medelim, sou fotógrafa, pressuposto por ter passado três anos de minha vida estudando fotografia na cidade de Barcelona. Agora procuro pensar mais sobre fotografia que fazê-las, ainda que minha fiel câmera sempre me acompanha em todos os lugares, é o meu diário pessoal, como são os textos que escrevo sobre a arte, porque afinal, é a arte que governa minha vida, a música é o meu mais irremediável vício e gosto de dormir com um livro de Felix Gonzalez-Torres nos braços, a arte é minha companheira mais querida .

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