Cada fotografia tirada, para muitos fotógrafos, atua como uma espécie de esboço da fotografia ideal que se persegue mas que, porém, sempre falha. E por causa desse fracasso contínuo, temos a motivação para continuar fotografando, em busca da imagem definitiva, a perfeita.
O fotógrafo americano Gregory Crewdson, é um daqueles que tem uma única história para contar, e nessa evolução orgânica que tem seu processo criativo, cada série fotográfica pode ser considerada uma abordagem. Seu esforço, ele admite, é ser capaz de produzir a fotografia mais bela. Uma beleza complicada, distante de estereótipos elegantes e sensuais {1}. Nela é subjacente um fio de melancolia e desolação. Crewdson não nos mostra o arquétipo do sonho americano, mas ao invés disso, o que está escondido por trás dele. Longe de buscar agradar aos olhos do espectador, suas fotografias atuam como janelas para uma intimidade que ignora a nossa presença. O espectador aqui é um voyeur, observando de longe como quem não quer interromper o que está se revelando a sua frente.
Seus personagens submersos em silêncio e introspecção, parecem manter algo que permanece secreto. Tudo na imagem foi interrompido, a não-ação, um momento fora do tempo, que poderia durar tanto alguns segundo como longas horas. O tempo que o espectador quiser dedicar. É através dos elementos cuidadosamente distribuídos na imagem que se tenta, assumindo o papel do investigador, decifrar os vestígios do ocorrido. É por esses detalhes que, apesar deste momento ter sido congelado e se desconhecer o momento que o precede, assim como o que o sucede, o espectador sente o impulso de completar a história. Como se estivéssemos diante de um fotograma isolado.
No entanto, depois dessa primeira impressão de realidade tangível, há um surrealismo que adverte que os casos não tem solução. É a sensação de que há algo estranho nessa imagem tão familiar. Nota-se um mistério implícito na normalidade do cotidiano. No qual as perguntas continuam sem resposta. É precisamente esse foco na imagem individual, em um único momento, sem passado nem futuro, que distingue Crewdson de um diretor de cinema.
A Fotografia deu lugar ao cinema , por volta de 1895 e ao longo do tempo, as influências mútuas foram se retroalimentando, o que demonstra porque o trabalho de Crewdson deve mais ao cinema do que à fotografia. Sem aprofundar mais, como é bem sabido, a realização de suas fotografias exigem o mesmo equipamento profissional e técnico usado em uma produção cinematográfica. Centenas de pessoas trabalham em conjunto para construir cada uma de suas fotografias. Na verdade, quem aperta o gatilho da máquina fotográfica é o seu diretor de fotografia, Richard Sands, que também ajuda a construir a estética de suas imagens. Crewdson em seu documentário Brief Encounters (2012), diz que ele nunca faz suas fotografias, ele as desenha, mas não aperta o gatilho. Ele não quer perder a experiência de olhar diretamente a cena que está acontecendo à sua frente. Ele não quer que a câmera se interponha nesse momento, que para ele, é quando tudo faz sentido.{2}
Por mais que compartilhe de uma estética, formal e conceitual com fotógrafos como Diane Arbus e William Eggleston, ninguém havia, até então, trabalhado a fotografia como ele. Podemos considerá-lo, certamente, o precursor da fotografia cinematográfica. Desde seus primeiros trabalhos, há um compromisso com a narrativa cênica como na série de maquetes, Natural Wonder (1992-1997), onde os animais fazem rituais particulares nos jardins ou bosques próximos, e dos seres humanos só se veem partes do seu corpo, fotograficamente mutilado.
Entre seus primeiros trabalhos existe também Hover (1996-1997), é a partir deste que começa a trabalhar em equipe, com profissionais de cinema e material cinematográfico, como o uso de gruas dolly ou focos de luz. Como bem diz o título, este projeto refere-se ao flutuar, ao estar suspenso no ar ou ao permanecer imóvel. As fotografias monocromáticas, neste caso, são tomadas a partir de uma perspectiva elevada, algumas intervenções em jardins como marcas de círculos referem-se a mensagens extraterrestres, enquanto os personagens parecem paralisados por tais vestígios inexplicáveis.
É em Twilight (1998-2000), que todos os elementos que compõem o seu vocabulário pessoal aparecerem; portas e janelas semiabertas, uso de sacolas e espelhos, a confluência entre interior e exterior, a mistura entre o familiar e o estranho, a beleza inquietante, o onírico, o secreto, o misterioso, o isolamento, a desconexão entre personagens, subúrbios americanos como pano de fundo, o contraste de luz e cor, os planos gerais e o crepúsculo como uma metáfora de transição.
Em Dream House (2002), é acrescentado um componente cinematográfico em suas fotos, agora os personagens são interpretados por atores famosos, como Tilda Swinton, Julianne Moore, Philip Seymour Hoffman, William H. Macy e Gwyneth Paltrow. Escolha esta que não voltaria a fazer, optando por continuar seu trabalho como fazia no resto de suas obras, com pessoas próximas, amigos e vizinhos. Dream House tem como cenário uma casa abandonada. Aqui, os personagens revelam o desconforto familiar. Os novos inquilinos dividem o espaço físico, mas não estão conectados emocionalmente. Parecem estar presos a algo que não conseguem tirar do seu pensamento.
Seu trabalho seguinte, Beneath The Roses (2003 a 2007) foi a produção mais elaborada que tinha sido proposta até então. Originalmente concebido como um filme, acabou sendo realizada como fotografia. Foi a primeira vez que trabalhou nesse nível, “foi como criar um pequeno filme independente” {3}, confessa no filme Brief Encounters (2012), que foi filmado durante a criação da série fotográfica. As conexões com o cinema têm sido constantes, talvez a história mais curiosa seja aquela compartilhada com a série Six Feet Under. Gregory conta que quase caiu do sofá ao ouvir um estudante de arte mencionar o seu nome para Claire, a filha dos Foster. “É muito estranho fazer parte da ficção, foi como se a TV falasse comigo ” {4}. O gran finale foi quando, algum tempo depois, a HBO o convidou para fazer o cartaz que anuncia a terceira temporada.
Talvez o projeto mais distinto seja Sanctuary (2010), no qual, pela primeira e única vez, fotografava fora dos EUA, usando locações nas áreas externas do lendário estúdio Cinecittà, nas adjacências de Roma e retomando o preto e branco, com o qual não trabalhava desde Hover. Espaços abandonados, sem pessoas, sem ficção, apenas locais meio desmoronados que se referem ao que não existe mais, a todas aquelas histórias que tempos atrás esses estúdios haviam contado.
Este ano, depois de seis anos de espera desde sua última série fotográfica, Crewdson nos trouxe Cathedral Of The Pines (2013-2014). Depois de uma crise emocional provocada por uma ruptura, retorna ao cenário de sua infancia, à casa de verão. Foi nessas ações rotineiras, nadando, caminhando e esquiando, que as imagens vieram com clareza, e soube que seu próximo projeto se realizaria ali mesmo {5}. As luzes são mais claras, como na primeira hora da manhã, , tudo na imagem parece estar acordando, tranquilamente, às vezes o frio da neve congela os personagens, que parecem não se incomodar com as mudanças da natureza. Uma natureza mais protagonista do que nunca, mas também mais suave e acolhedora. Esse talvez seja o seu mais introspectivo e brilhante projeto em todos os sentidos.
Nossos medos e dores da infância, muitas vezes são enterrados no esquecimento, com uma ingênua firmeza na crença de que não existe mais aquilo de que não nos lembramos (que é superado). Porém, sob esse manto de silêncio, seguem latentes as forças que ignoramos e das quais somos formados. Gregory Crewdson, em suas várias entrevistas, comenta como a profissão de seu pai o marcou desde criança. Lembra-se de ver seu pai, psicanalista, fechar-se no sotão para receber seus pacientes, local que era proibido entrar. E naquelas horas de consulta, colocava sua orelha no chão, que era o teto do porão, tentando ouvir a intimidade que lhe era secreta. O mistério, medo e desespero são sentimentos que o acompanham desde então. Cada uma de suas fotografias poderia atuar como um pedaço dessas vidas, dessas confissões que na sua infância tentava escutar através das camadas de gesso, dos pisos de cimento, mas que no fim, só ouvia palavras isoladas, fragmentos.
- “Busco el sentido de una belleza complicada”, entrevista a Gregory Crewdson por Alberto Martín en El País, 2006.
- Documental Brief Encounters (2012), dirigido por Ben Shapiro.
- Documental Brief Encounters (2012), dirigido por Ben Shapiro.
- La anormalidad: entrevista a Gregory Crewdson, por Andrea Valdés en H. magazine
- Apresentação do trabalho Cathedral Of The Pines (2013-2014) na Galeria Gagosian. ttp://www.gagosian.com/exhibitions/gregory-crewdson–january-28-2016